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FAMÍLIA É CONDENADA POR MANTER EMPREGADA DOMÉSTICA EM CONDIÇÃO ANÁLOGA À DE ESCRAVA POR 40 ANOS

abr 13, 2024

Uma família de Natal (RN) foi condenada por manter uma empregada doméstica, que prestou serviços durante 40 anos, em condições análogas ao trabalho escravo. A condenação foi em 1ª Instância, quando ainda cabe recurso.

A trabalhadora começou a prestar serviços para a família desde 1982, como lavadeira. Depois, ainda como diarista, ela fazia faxina na casa e na academia da família, que funcionam em prédios vizinhos.

A partir de 1989, a empregada passou a trabalhar em caráter permanente e, quando os netos da família nasceram, ela começou a acumular o cuidado da casa da mãe e de uma das filhas, que ocupavam uma casa vizinha e foi morar em um quarto construído no terreno da família, cujo aluguel era descontado de seu salário.

A doméstica chegou a acompanhar mãe e filha em viagens, cuidando das crianças, e no período de férias anuais também era obrigada a trabalhar na casa de veraneio da família.

AVC

Em seu depoimento, a empregada revelou que certa vez passou mal quando estava engomando roupa na casa de uma das filhas e ficou com a boca torta. Ela disse que chegou a pedir socorro ao marido da reclamada, que falou para outra pessoa “ela pensa que eu sou médico”.

A empregada permaneceu engomando a roupa, quando “se escorou na porta e caiu toda molhada de suor”. À noite, quando saiu do trabalho, ela foi levada pela filha ao SESI e “lá disseram que deveria ir para o Walfredo Gurgel porque ela tinha tido um AVC e, depois disso, ficou tomando remédios”.

Aposentadoria

A doméstica ainda foi morar em Recife, onde passou dois anos  trabalhando para uma sobrinha da dona da casa e voltou a Natal. Em 2022, após uma série de desentendimentos com o esposo de uma das filhas, a empregada se afastou do emprego para tratamento de doenças psiquiátricas.

A doméstica também tentou se aposentar junto ao INSS, mas descobriu que não tinha tempo de contribuição previdenciária. Depois disso, ela entrou com uma ação junto à Justiça do Trabalho.

A empregada requereu o reconhecimento de vínculo empregatício, anotação na carteira do trabalho, pagamento de diferenças salariais, indenização por danos extrapatrimoniais pela doença adquirida no emprego e rescisão indireta, entre outros pedidos.

Defesa

A família alegou que a empregada atuava como diarista e não como doméstica. Uma das filhas da família até admitiu que nunca assinou a carteira de trabalho da doméstica porque ela “não era empregada, e sim uma pessoa da família, nem a reclamante nunca pediu”.  

A juíza Lygia Maria Godoy, da 9ª Vara do Trabalho de Natal, porém, não acatou a tese da defesa e, após analisar as provas e os depoimentos, concluiu que “a reclamante fora submetida a trabalho análogo ao de escravo”. Para ela, “essa violação de sua dignidade foi responsável pelo seu adoecimento, portanto, caracterizado o dano e o dever de indenizar”. Baseada nesse entendimento, ela concedeu a rescisão indireta do contrato de trabalho da doméstica.

Lygia Godoy acrescentou, ainda, em sua decisão “em função de toda a vivência experimentada pela reclamante, nesse ambiente aviltante da dignidade humana, a reclamante desenvolveu transtornos psiquiátricos, que começaram a se apresentar em 2015 e que paulatinamente foram se agravando, até que em 2021 quando procurou ajuda médica, por sofrer de depressão severa, crises de ansiedade e síndrome do pânico”.

Indenização

Baseada no entendimento de que “a ausência do cumprimento dos direitos laborais pelo empregador, como a anotação na CTPS com os devidos recolhimentos previdenciários, por mais de 40 anos, por si só já representa o trabalho análogo à de escravo”, a juíza determinou a anotação da carteira de trabalho da empregada pela matriarca, entre janeiro de 1982 a novembro de 2023, com a remuneração de um salário-mínimo, além do pagamento de férias vencidas e em dobro, diferenças salariais, FGTS acrescido da multa de 40%, entre outros benefícios.

Ligia Godoy também reconheceu que a violação de direitos humanos básicos e as condições laborais a que a empregada foi submetida, “ajudaram a agravar, entendo caracterizado o dano e o dever de indenizar”. Assim, a juíza condenou solidariamente mãe e filha a indenizar a doméstica no valor de R$ 110 mil por danos extrapatrimoniais e pela doença psicológica adquirida no trabalho.

Fonte: Tribunal Regional do Trabalho da 21ª Região (TRT-21)